Gemütlichkeit

O plano era encontrar os amigos e passar o fim do ano juntos. Era difícil manter o contato quando todos estavam ocupados com as escolhas de carreiras para o futuro.

Claro que não imaginava que chegar antes para organizar a casa acabaria com ela e Yamato presos no meio de uma nevasca, sem energia e precisando contar apenas com a luz das velas e o calor da lareira.

– Pelo menos a casa da Mimi tem uma lareira. Não consigo imaginar passar por essa nevasca com frio… – sorriu enquanto servia o chocolate quente que havia feito para eles. Era estranho estar novamente sozinha com Yamato, sentia o coração bater mais forte só de imaginar que estavam sozinhos até que o tempo melhorasse.

– Hmmm.

Por vezes o rapaz a deixava nervosa. Ele era um ótimo amigo, mas podia se perder em longos silêncios. Não que se incomodasse com isso, não era por si mesma tão comunicativa quanto Mimi, ou até mesmo Hikari. Gostava de poder ajudar os amigos e ter a certeza que eles estavam bem.

Sentou-se no chão, enrolando a coberta nos ombros e ficou observando a neve cair fora da janela. A luz das velas tornando o local aconchegante e romântico.

– O chocolate está uma delícia. – a voz ligeiramente rouca de Yamato faz com que um sorriso surja em seus lábios. Ele se senta no sofá, próximo o bastante para que ela sinta o calor que emana de seu corpo. – Obrigado, Sora.

– Fico feliz que tenha gostado!

Virou o corpo para poder observar o rapaz e o encontrou a encarando, uma sobrancelha arqueada. Ele esticou a mão e a passou em seu cabelo. Fechou os olhos, aconchegando-se ao carinho.

– O cabelo curto combina com você. – podia sentir o rubor se espalhando pelo seu pescoço – Por que cortou?

Soltou uma risada enquanto colocava uma mecha de cabelo atrás da orelha. Será que deveria contar..?

– Acho que estava um pouco enjoada do corte antigo… – decidiu que não gostaria de deixá-lo sem graça. Não queria colocá-lo em uma posição difícil. Já bastava que ele estivesse ali, que a tivesse percebido.

Yamato a observava, como se a resposta não fosse exatamente o que ele esperava escutar. Ele deixou a mão mais alguns instantes em seu cabelo, antes de voltar a atenção para a lareira sentiu um leve carinho em seu rosto, como se o rapaz nem tivesse percebido o movimento da própria mão.

Não sabia se podia confiar em si mesma. Queria perguntar o que ele achava do penteado, se ele a notava tanto quanto ela o notava, o quanto a incomodava ver todas as fãs do rapaz com seus longos cabelos brilhosos. Não, não podia mostrar seu lado egoísta e mesquinho. O que ele pensaria sobre ela?

– O Taichi mencionou como você estava mais bonita assim.

– Eu achava que ele gostava de meninas com cabelo comprido… – franziu o cenho enquanto observava o amigo passar a mão pelos cabelos bagunçados – Ele está saindo com a Meiko-san, afinal…

Yamato suspirou e deixou a xícara vazia na mesa de centro. Ele se deitou no sofá murmurando que era um idiota.

– Yamato… você está bem? – se aproximou do amigo, deixando a xícara ao lado da dele. Colocou a mão em sua testa à procura de algum sinal de febre.

– Me desculpe, Sora. Eu não deveria falar sobre o Taichi. – ele não encarava seus olhos – Imagino que isso a deixe triste.

Os cabelos dourados de Yamato formavam um halo em volta de seu rosto, a luz das velas dando um brilho avermelhado às mechas. Não conseguiu deixar de tocá-los.

Podia jurar que seu coração parou de bater ao encarar o brilho nos olhos de Yamato. Se bem entendeu, o amigo estava tentando a consolar. Será..?

– O Taichi é um grande amigo, Yamato. – abriu um pequeno sorriso e sentiu o rubor tomar a face – Eu fico feliz por ele estar feliz com a Meiko-san…

Yamato acariciou seu rosto, um pequeno sorriso em seus lábios.

– Eu queria ser diferente.

– Hmmm? – ele fechou os olhos enquanto recebia seu carinho.

– Suas fãs são muito bonitas. Elas se vestem bem, tem os cabelos longos presos em diferentes estilos. – agora não conseguia mais parar de falar – E eu queria ser diferente delas. Que você não pensasse que eu era só mais uma ali.

O silêncio se estendeu entre eles. Em algum momento Yamato havia aberto os olhos e a encarava, inexpressivo.

Respirou fundo e abriu um sorriso amarelo, voltando a se sentar no chão e se aconchegar na coberta.

– Eu sei que foi um motivo idiota… – não conseguia encarar o amigo – Mas essa é a verdade. Eu queria que você me notasse. – sussurrou enquanto observava o fogo na lareira.

Sentiu quando o rapaz se sentou ao seu lado, a abraçando apertado e escondendo o rosto em seu cabelo.

– Eu notei, Sora. – seu coração pulava, não estaria sonhando? – Eu sempre te notei.

Aconchegou-se no colo do amigo, o coração disparado enquanto encarava o brilho nos olhos azuis do rapaz. Sorriu emocionada e se entregou ao beijo.

Não havia outro lugar que gostaria de estar que não no conforto dos braços de quem amava.


Essa é pra dona Kyun!

Prompts: candles, secrets. E achei que o prompt de título alemão caiu como uma luva. Gemütlichkeit significa conforto, sensação de acolhimento. Coziness.

Resolvi usar Digimon pra esse prompt porque eu terminei o anime a pouco tempo e estou órfã desses lindos!

Espero que tenha gostado, Kyun!

Faces in the Dark

Está na hora de dormir, Lexis…

Mas, mamãe..!

Não, querida, sem enrolação, querida. Boa noite.

Boa noite, mamãe…

A luz do quarto foi apagada, a pequena garota se enrola nos edredons e fecha os olhos, apertando o travesseiro delicadamente contra o rosto por alguns segundos antes de cair em um sono profundo.

O mundo agora era apenas escuridão. Um breu completo e solitário.

A pequena não sentiu quando a cama ficou ligeiramente mais pesada ao seu lado, como se alguém tivesse se sentado ali.

Mexeu-se confortavelmente embaixo de sua proteção contra o frio e permitiu-se ser levada para o Sonhar.

Deixe, Lexis em paz.

Não. Hoje ela é minha.

A garota se mexe, resmungando enquanto chuta o edredom de perto de si, uma perna pendurada para fora da cama.

Vê? Ela me quer.

Um choro leve escapa os lábios da criança, ela volta a se embolar nos lençóis, apertando a mãozinha do seu bichinho de pelúcia.

Vá embora! Ninguém o quer!

Algo assusta a criança, ela escuta um barulho, como um animal guinchando e se levanta na cama, assustada e gritando.

Lexis!? Está tudo bem! Mamãe está aqui, querida.

Não há nada ao seu lado, nada na cama. Apenas seus lençóis, agora molhados com suas lágrimas.

Foi apenas um sonho ruim, querida… Venha, vamos dormir juntas, está bem?

E enquanto a garota sai ainda soluçando com sua mãe, o pequeno braço de pelúcia permanece inerte ao lado da cama, o estofado espalhado pela mesa de cabeceira.

Faces in the darkness

 

Down the Rabbit hole

Bunny.jpg

Respirou fundo, levou uma das mãos aos olhos e os esfregou enquanto desligava o alarme que tocava incessantemente. Havia chegado a hora. Novamente.

Levantou-se, se espreguiçou e acendeu um cigarro. A televisão noticiava os grandes eventos do dia. Corridas, procura, caçadas. Tudo pelo grande prêmio, tudo pelas vendas. Pelo chocolate.

Balançou a cabeça, desligou a televisão e foi se preparar para o Grande Dia.

Não precisava que o noticiário falasse sem cessar sobre as mudanças. Sentia cada uma delas em sua pele. Cada corte, cada equimose.

Cada morte.

A cada segundo mais e mais pessoas corriam, fugindo de mais um atentado, de mais um regime totalitário, de mais uma guerra. Não havia mais alegria e risadas. O choro dominava o Dia.

Suspirou ao vestir sua roupa.

Encarou o resto das cinzas do cigarro e se perguntou o que significavam. Fechou os olhos. Contou até três. Jogou a bituca pela janela aberta e observou as cinzas serem levadas pelo vento.

Olhou para o espelho, encarou aqueles olhos encovados, cansados, sem futuro. Lembrou-se de tudo o que enfrentou até hoje e deu o menor dos sorrisos.

Todos precisavam vê-la, todos precisavam da sua presença. Todos precisavam de um recomeço.

Inclusive ela.

Abriu a porta e os braços.

Levaria sua força para todas as pessoas. Afinal, era o seu momento.

O seu Dia.

Mais uma vez reacenderia a Esperança no coração de todos.


Qualquer semelhança com nossa realidade não é mera coincidência. Feliz Páscoa para todos e que a Esperança e o Recomeço se acendam novamente em nossos corações para que possamos tornar esse mundo em que vivemos em um lugar melhor.

Oração ao Tempo

I think I’ll figure it out with a little more time
Turn off the lights – Panic! at the Disco

clock

A noite seguia seu curso, seus amigos já bebiam, dançavam e se divertiam como se não houvesse amanhã, mas não se sentia no mesmo clima que eles. Aproveitando uma brecha enquanto Naruto cantava no karaokê, abriu a porta de vidro e saiu para a sacada.

O cenário era de tirar o fôlego. A primeira neve do dia caíra a pouco e deixou a cidade salpicada de branco, brilhando sob as luzes. Era possível enxergar a felicidade que rondava as pessoas de longe, todos ansiando pelo novo ano que se aproximava.

E se sentiu sozinha.

O vento frio a envolveu e deixou que seus sentidos despertassem do torpor da bebida, afastando-a do calor que emanava da casa, dos seus amigos. Deixando que seus pensamentos lentamente se voltassem para o relógio.

Vários anos se passaram, várias situações inusitadas e tristes, mas não deixou de ter esperança, de ter fé de que tudo daria certo. Só que sentia medo.

Sentia tanto medo.

Não percebeu quando começou a sentir o aperto em seu peito, quando não conseguia mais respirar. Mal sentiu o frio quando segurou o parapeito, escorregando para o chão enregelado. Achava que ia morrer ali, sozinha, sem nunca encontrar seu par.

Como poderia fazer isso? Como poderia continuar a respirar?

– Olhe para mim, Hinata.

A voz grave chamou sua atenção, tentou focar em quem a chamava, mas não conseguia enxergar através das lágrimas.

– Vamos, Hinata, preste atenção na minha voz. – sentiu o toque cálido em seu pescoço – Conte comigo até dez.

A respiração ardia em seu peito, o olhar desfocado. Precisou de alguns instantes para entender o que era pedido. Não conseguiu encontrar a voz para dizer nada.

– Em voz alta, vamos.

Juntou todo o restante de força que tinha, sugou o ar tentando encontrar fôlego e sussurrou – Um…

Sentiu dor ao respirar, mas a mão quente permaneceu em seu pescoço. Sentiu outro toque em sua testa e logo depois ser apoiada no ombro.

– Continue, Hinata.

Fechou os olhos com força e se concentrou na contagem, concentrou-se na voz e no calor do toque que a envolvia – Dois…

A respiração já não queimava tanto, recebeu apoio para ficar novamente de pé e recostada contra o parapeito gelado – Três…

Deixou de se preocupar com o que acontecia ao seu redor, com o que inundava seus pensamentos – Quatro.

Sentiu quando a mão quente deixou seu pescoço e segurou suas mãos frias – Cinco.

Conseguia escutar a música que continuava a tocar e seus amigos cantando no karaokê – Seis.

Ficou aliviada por saber que não estragou a festa de ninguém – Sete.

Piscou os olhos e percebeu que já não havia lágrimas – Oito.

Encarou os olhos negros de Sasuke à sua frente – Nove.

Respirou fundo uma última vez – Dez.

Secou o rosto, deu um pequeno passo para trás e suspirou, enquanto encarava o amigo. Notou um leve sorriso de canto nos lábios dele.

– Obrigada, Sasuke.

Ele deu de ombros e se espreguiçou, escorando-se no parapeito e encarando a vista – Não por isso, Hinata.

O silêncio os envolveu confortavelmente e permaneceram assim, cada qual perdido em seus pensamentos. Perguntava-se o que teria feito Sasuke sair do meio da festa.

– Sabe… – assustou-se quando ele quebrou o silêncio – Nem tudo são flores.

O encarou sem entender.

– Ninguém realmente fala sobre isso, então a gente acaba achando que nunca mais teremos problemas depois que o relógio zera – ele continuou como se não esperasse resposta e sentiu seu peito se apertar novamente – Só que a realidade não é bem essa.

Como se esperasse exatamente essa frase, Naruto se espreme na porta de vidro, o olhar marejado e começa a se lamentar – Sasukeeee… O Kiba não me deixa cantar mais…

Não pôde deixar de rir enquanto via o olhar quase assassino que Sasuke lançava ao namorado e entendeu exatamente o que ele quis dizer.

– Sasuke… – ele voltou-se para ela – Obrigada por me ajudar. – sorriu, incapaz de dizer o quanto o amigo a ajudou.

– Não perca tempo preocupada com o amanhã, Hinata – ele sorriu de canto novamente enquanto recebia um abraço choroso do namorado – Eu te garanto que no final, tudo vai se encaminhar.

Enquanto voltava a ficar sozinha na sacada fria, levou a mão ao coração sentindo-o bater lentamente, a respiração vinha facilmente e sorriu. Não havia com o que se preocupar. Estava, afinal, cada dia mais próxima de encontrar aquele que seria seu par.

O céu se encheu de cores com os fogos de artifício que lhe roubaram o fôlego.


Naruto e seus personagens não me pertencem, a imagem foi encontrada na internet e a letra da música, obviamente, pertence à Panic! at the Disco.

Esta é uma fanfic que estou escrevendo para uma amiga minha e que está sendo postada no Nyah! e no fanfiction.net, considerando-se que este é o terceiro capítulo da história, não espero que entendam, realmente.

É uma fanfic Gaara e Hinata, e o tema é timer soul mate, e consiste na ideia de que em um futuro distante/outra realidade, as pessoas nascem com um relógio em seu pulso que zera quando encontra a sua alma gêmea. É uma ideia batida já, que já foi usada em filmes e diversas histórias espalhadas pelo Tumblr. Essa é só a minha visão sobre o assunto e com personagens de Naruto. Há diversos casais que eu shippo na minha história e há, também, muito drama e vontade de matar a autora no caso, eu e coisas afins.

Beijos da tia Tifa que não saiu da aposentadoria, mas de vez em nunca posta alguma fanfic.

Pontos

eye

Alguns de seus amigos já perguntaram o que havia de tão interessante passar dia após dia sentado em uma mesa do café, observando a rua. Com certeza existiam lugares melhores para escrever.

Nunca conseguiu exatamente explicar o que o motivava. Só… precisava estar lá, sentia que ali era o melhor lugar para conseguir o que precisava para suas histórias abrirem as asas e voarem para longe, já sem precisar dele.

Chegou assim que o café se abriu, como de costume, o atendente sorriu ao vê-lo e preparou seu pedido – café preto, forte e sem açúcar. Sentou-se na mesa de sempre, abriu seu caderno – outra coisa que seus amigos costumavam apontar como loucura – e deixou que o aroma do café se misturasse às distantes buzinas e trovoadas.

Não havia lugar como nosso lar.

Sorriu ao tomar sua bebida quente, deixando sua imaginação percorrer as ruas, lado a lado com os apressados pedestres, motoristas estressados com o trânsito da manhã e crianças que corriam alegres à procura de abrigo, pulando de poça em poça.

Não precisava de muito para dar vazão ao que tinha em sua mente, não precisava se esconder em uma cabana na floresta, em uma casa afastada no litoral ou em um hotel nos alpes. Não era nesses lugares que se sentia à vontade.

Pegou sua caneta e deixou que as palavras surgissem no papel, tomando seu café, escutando o suave tamborilar da chuva na vidraça. Nada mais do que visões diferentes, realidades discrepantes. Pontos de vista que se alteram, se moldam, tornam-se algo completamente novo.

Graças a algo tão banal quanto tomar um café em um dia de chuva.

Areias do Tempo

patience

Sentou-se na varanda, os pés descalços balançando livremente pelo guarda-corpo. Suas mãos envolviam uma xícara de chá quente enquanto sua respiração transformava-se em névoa em cada expiração.

Havia uma beleza que não conseguia realmente descrever enquanto observava cada lâmpada se apagando na cidade em que morava. Era como ver o desvanecer de uma estrela. Sentia-se estranhamente livre e diminuta a cada nova luz que se apagava.

Era sua hora favorita na noite. O toque de recolher, o apagão mandatório.

A escuridão nunca a incomodara realmente, ou a solidão. Bastava acompanhar o apagar de cada setor, mergulhar na escuridão humana, deixar-se inundar pelo sentimento de impotência e pequenez.

Inspirar e expirar.

E quando a escuridão era total, fechava os olhos com força, com calma, em paz.

Inspirar e expirar.

Bebericava o delicioso chá que aquecia suas mãos enregeladas, sentindo-se aquecer por dentro, uma mistura de paz líquida e calmaria que invadia sua alma. Como se houvesse ingerido as luzes que acompanhara se apagando.

Inspirar e expirar.

Abrir os olhos lentamente, encontrando a noite sendo iluminada por aqueles corpos celestes imutáveis e sempre em movimento.

Inspirar.

Acompanhar a rotação dos planetas, encontrar aquelas constelações favoritas – suas e apenas suas – e perder-se na imensidão das estrelas que a humanidade já abandonara.

Expirar.

E encontrar-se exatamente onde deveria estar.

Discrepância

Sonho.jpg

– O que há de errado, 27?

Piscou os olhos rapidamente e voltou a atenção para os quebra-cabeças à sua frente. Respirou fundo e continuou seu exercício de onde havia parado.

– Apenas um pouco cansado, 51.

Forçou a mandíbula enquanto via 51 escrever em sua prancheta. Sua distração seria contabilizada como dificuldade. Piscou lentamente mais uma vez e esforçou-se em terminar rapidamente o exercício.

Ao terminar o quebra-cabeça e tocar no temporizador, percebeu que seu tempo continuava próximo ao de 33, o experimento modelo. Recebeu suas medicações e saiu da sala fortemente iluminada para a semi-penumbra do corredor. Caminhava para sua acomodação ainda lembrando-se das imagens que o atingiram durante o experimento.

Não compreendia exatamente o que acontecia com a garota, não entendia porque ela carregava uma espada, muito menos o motivo pelo qual ela lutava. Só conseguia perceber, realmente, as cores.

Tantas cores que nem sabia qual era o nome delas – se elas ao menos tinham um nome. O céu, o chão, o sangue que escorria pela pele da garota e até mesmo a pele dela. Nunca vira alguém tão cheio de vida.

Tão cheio de cor.

– 27, seu próximo experimento começa em 30 minutos. – a voz automática avisou em seu ouvido – Favor dirigir-se ao laboratório 4.

Piscou e, por um mísero instante, desejou estar naquele mundo colorido. Engoliu as duas pílulas – brancas, como todo o resto de sua vida – e começou seu caminho para o laboratório 4.

Sua mente um quadro em branco.

Felinos

Cat

A noite acabara em grande estilo, como costumava acabar aos fins de semana. Ofegava enquanto respirava fundo e tentava acalmar o coração que batia descompassado. Encarou seu companheiro que já dormia, ressoando levemente e se levantou da cama.

O ar frio do quarto tocou seu corpo nu e sorriu ao se espreguiçar, sentindo os músculos relaxando, a pele arrepiada enquanto caminhava pelo quarto escuro.

Imaginou quanto tempo ele dormiria desta vez ou se perceberia que não estava ao lado dele, mas logo que chegou à sacada e acendeu seu cigarro, deixou que sua mente vagasse enquanto observava as poucas estrelas que conseguiam vencer as luzes da cidade e brilhavam fortes, como para mostrar que podiam. Que nada poderia apagar o seu brilho.

O cigarro veio e se acabou, espreguiçou-se e voltou para o quarto, sorrindo levemente com a imagem dele esparramado por cada milímetro da cama, ressoando tranquilamente.

Com um delicado empurrar, conseguiu o seu espaço, deitando-se ao lado dele e permitindo que ele tivesse sua liberdade. Sabia que ele não gostava de aconchegar-se a ela após o sexo e, honestamente, não se importava. Já se dava por satisfeita por ele ter dormido ali.

Antes, porém, que caísse nas graças de Morfeu, sentiu quando ele a abraçou e a aconchegou entre seus braços, afagando seu pescoço. Em momento algum ele abriu os olhos ou mudou seu padrão respiratório. Apenas dormia.

Sorriu, sentindo enquanto o ar vibrava nos pulmões dele a cada respiração e aninhou-se a ele, escutando seu ressoar, tão parecido com o ronronar de um gato e deixou-se acalentar por esse som, dormindo com paz de espírito.

Inked

Respirou fundo.

Ainda não acreditava que estava fazendo isso. Sentia o coração batendo descompassado no peito e as mãos tremiam. Quanto mais pensava, mais acreditava estar louca, ensandecida.

Exalou profundamente.

Mal havia percebido que prendera o ar. Afinal, o que fazia ali? Não era uma pessoa assim, impulsiva, que decidia as coisas no decorrer de uma batida de coração. Não. Sempre calculava tudo o que queria acontecer para que nada saísse do seu controle.

Não que fosse uma pessoa excessivamente controladora, só… Gostava de ter controle sobre suas escolhas. Não gostava de ser surpreendida e enchia o peito com orgulho ao dizer que nunca se arrependera de nenhuma escolha em sua vida. Ao que muitos de seus amigos riam-se com os olhos cheios de algo que se assemelhava à pena e diziam que ela nunca realmente vivera.

E se se arrependesse dessa escolha? Poderia culpar sua crise de impulsividade?

– Já se decidiu?

Abriu os olhos e se deparou com olhos castanhos pacientes. Assustou-se com o carinho que viu estampado naquele olhar. Com um dedo trêmulo indicou um desenho. Ele deu um meio sorriso e apontou a maca.

Sem ao menos dirigir a palavra a ele, despiu a blusa e deitou de lado. Arrepiou-se com o toque gelado do álcool e o calor que parecia emanar da mão dele.

– Diga se estiver doendo.

Fechou os olhos com força, as unhas machucando as palmas de suas mãos. Milhares de pensamentos cruzando sua mente e não conseguiu assentir ao que ele disse. Mal o havia escutado, morrendo de medo de tudo.

Quando a agulha perfurou sua pele pela primeira vez sentiu-se relaxar. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto e ouviu o tatuador perguntar.

– Está tudo bem?

E sentiu ali, naquele momento, que estava exatamente onde deveria estar. Não se arrependeria do que era, do que aquela tinta significava.

– Não poderia estar melhor.

Tatuagem

Identidade

Kylo Ren Shorelle.png

Enquanto treinava com os outros padawans não conseguia se identificar com eles, não conseguia verdadeiramente acreditar nos preceitos da Força que Mestre Skywalker – seu tio – os ensinava.

Enquanto os outros sentiam receio quando o Mestre falava sobre os caminhos do Lado Negro, indicando o quão fácil é ser tentado e que apenas com muito treino e paz interior os Jedis triunfarão, sentia-se atraído, interessado, queria saber mais.

Sua família evitava falar sobre o passado, querendo viver apenas o presente, mas foi através do pai que descobriu a verdade sobre seu avô. Não sobre Anakin, mas a verdade por trás da máscara que encontrara na casa do tio. Conhecera, enfim, Darth Vader.

E o amou.

Viu na figura de Vader o pai que o compreendia, o mestre que o amava, a família a qual pertencia. E abraçou o chamado, seguindo, anos depois, os passos que o avô antes trilhara.

O capacete que usava era mais do que o resgate de um símbolo de poder, era uma necessidade.

Não física, mas psicológica.

Sempre que se encarava no espelho via o rosto de seu pai, os olhos de sua mãe e sentia a dúvida começando a criar espaço em seu coração. Não era algo que poderia aceitar.

Assumiu, assim, um nome diferente, um novo mestre.

Através de sua Força, de suas habilidades, de seu novo rosto ajudou a Primeira Ordem a continuar de onde a Nova Ordem fora interrompida. O Império continuaria, persistiria. Enquanto ele vestisse o capacete, enquanto seu caminho estivesse à sua frente. Enquanto seu coração continuasse firme.

E foi então que ela apareceu.

Precisava descobrir a localização do último mestre Jedi. E para isso precisava dela. Sentia a Força dentro dela, sabia que ela era muito mais do que parecia, do que acreditava ser.

Sentiu, talvez pela primeira vez, esperança, acreditando que não trilharia mais o seu caminho sozinho. Poderia treiná-la, tê-la como companheira.

Surpreendeu-se por vê-la resistindo aos seus poderes, por volta-los contra si mesmo. Por ser fraco.

Fraco por não conseguir quebra-la, por ainda ter dúvidas sobre o caminho a seguir. Por ter medo.

Livrar-se do pai foi mais difícil do que sequer imaginara. Foi tomado por sentimentos que julgava não possuir mais. A dor era intensa, latente. Excruciante.

Foi a campo, perseguindo sua presa. Mesmo ferido, mesmo sangrando, mesmo que sua alma gritasse. Tinha um dever a cumprir.

Acreditava que a dor diminuiria caso conseguisse cumprir seu papel, seu dever, capturar sua presa.

E lutou.

Lutou como se fosse sua última luta, como se ali pudesse alcançar tudo o que sempre sonhara. Como se ali honrasse o seu mentor.

E perdeu.

Perdeu a chance de capturar sua presa, perdeu a honra de possuir a única verdadeira lembrança de sua família. Perdeu sua alma.

Ela poderia tê-lo matado com facilidade, mas o permitiu viver. A batalha se findara, mas a guerra continua.

Foi levado por seus companheiros de batalha, foi curado. Redobrou o treinamento e preparou-se para o próximo encontro. E o capacete agora não mais era tirado.

O símbolo da Primeira Ordem tornou-se mais forte, mais intenso, mais tenebroso. A mera menção de seu nome causava medo por onde quer que passava.

A cicatriz em seu rosto ainda queimava, lembrança que nem mesmo o capacete fora capaz de toldar. Ela ainda estava lá, viva, livre.

E ele iria captura-la.

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Uma pequena fanfic de Star Wars: The Force Awakens para uma querida amiga. Star Wars pertence à Lucas Films, a imagem pertence a Shorelle.